por Alberto Afonso Landa Camargo*
1. O OFICIAL DE NÍVEL SUPERIOR
As atuais atividades do oficial de nível superior da Brigada Militar requerem formação jurídica necessária ao seu exercício, razão pela qual há mais de quinze anos é exigido o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais para o ingresso na carreira. Esta exigência não ocorreu apenas para satisfazer interesses visando a definição como carreira jurídica e ingresso em níveis salariais desta carreira, mas pela efetiva necessidade para o exercício da função. Com a exigência do, desde 1997, do bacharelado em Direito, é necessário que o candidato seja aprovado em concurso público de provas e de títulos e, tal como na magistratura, no ministério público e na defensoria pública, os referidos títulos devem ter relação com a área do Direito.
A capacitação jurídica exigida de quem se propõe a ser oficial de nível superior da Brigada Militar dá-se pelo fato de que desta carreira exige-se o necessário conhecimento que implica na análise de fatos e na aplicação da lei, assim como adotar medidas que impliquem na restrição de direitos e da liberdade das pessoas. É esta a primeira autoridade a fazer um juízo de valor sobre a conduta de qualquer pessoa que se envolva em ocorrência, encarecendo decidir sobre a tipicidade do fato, ou a sua absoluta irrelevância penal.
O equilíbrio social, por seu lado, depende da atuação da Polícia Militar, dirigida e comandada por oficiais de nível superior com formação em Direito. È deste que depende a decisão sobre a imediata restrição da liberdade de alguém, ainda que isto seja definido posteriormente por autoridade judiciária. Ao oficial de nível superior da polícia militar compete definir se há ou não justa causa para imprimir a persecução criminal à determinada pessoa tão logo se depare com a ocorrência. Indiscutível a sua importância e a necessidade do conhecimento jurídico, dado que a esta autoridade compete sempre o primeiro contato com todos os fatos que, criminais ou não, precisam de uma solução que não afronte os direitos das pessoas. E ele, dada a sua formação jurídica, tem condições de fazer juízos de valor sobre determinada situação com que se depara, analisando e avaliando quanto à legalidade ou não de determinada conduta.
Esta exigência se deu pela inequívoca compreensão de que a esta carreira é imprescindível o conhecimento jurídico que pressupõe a lide com aspectos controvertidos, tradicionais ou inovadores da legislação em geral.
Não podem os doutrinadores fixar seus estudos e conceitos unicamente às situações forenses-processuais, mas incursionar, também, nas questões de natureza jurídico-policiais, que, sem sombra de dúvidas, dizem respeito às garantias fundamentais do cidadão, à sua liberdade e propriedade, dentre outras, que acabam sendo conduzidas ao judiciário.
A quem exerce a autoridade de polícia judiciária militar, ou precisa dar os encaminhamentos corretos e necessários às ocorrências com as quais convivem diariamente os policiais que patrulham as ruas, não cabendo unicamente valorar de forma simplista o fato ocorrido, restringindo-se ao enquadramento quanto à sua tipicidade, como se isto fosse uma fórmula matemática precisa que não dependesse de interpretações. Precisa ter o conhecimento necessário e condições de avaliar as circunstâncias que eventualmente possam majorar ou atenuar a pena.
Não se pode confundir pena cominada com pena aplicada. Esta consiste na sua fixação concreta, dosada pelo juiz para coagir o réu do processo, observadas as questões inerentes à tipicidade e à culpabilidade. Aquela é uma previsão abstrata para definir um procedimento a ser seguido na instrução criminal, ou na persecução criminal, conforme o caso esteja na fase da investigação, ou na ação policial iniciada logo após a ocorrência do fato delituoso. Considere-se, portanto, que o que determina o procedimento policial é a pena abstrata, ainda que esta seja futuramente na sentença vista de forma diferente pelo julgador.
Outros fatores há que serem considerados a justificar a necessidade de que os oficiais de nível superior tenham conhecimentos inerentes às carreiras jurídicas, estando dentre estes as análises para a concessão de liberdade provisória com fiança, afinal, ele preside flagrantes e constantemente se está deparando com fatos que requerem estas análises, ainda que controvertida a decisão de aplicar fiança no caso de militares envolvidos em delitos assim tipificados. O oficial precisa, portanto, saber e ter condições de interpretar as questões relativas ao concurso material, para definir que a fiança não pode ser aplicada quando a soma das penas mínimas for superior àquela definida como limite para a sua aplicação.
Da mesma forma, a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, pressupõem a necessidade de conhecimentos aprofundados sobre o tema. A Súmula 723, do STF, não admite a suspensão condicional da pena por crime continuado, desde que a soma da pena mínima da infração mais grave, com o aumento de um sexto, ultrapasse o limite da pena para que seja aplicada a referida lei. Já a Súmula 243, do STJ, diz que não é aplicável a suspensão do processo às infrações penais cometidas em concurso formal, concurso material ou continuidade delitiva, sempre que a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapasse o limite máximo previsto para a aplicação da referida lei. A tudo isto precisa estar atento o oficial de nível superior, assim como conhecer estes dispositivos e estar perfeitamente atualizado e capacitado para ter condições de interpretar e decidir sobre o encaminhamento e o trato a ser dado a cada ocorrência com que se depare, orientando adequadamente seus subordinados a como se conduzirem na função, que representa, sem sombra de dúvidas, a maior produção da atividade policial em todos os sentidos, porque é a Brigada Militar a estar presente em todas as partes do Estado e ser sempre a primeira a se deparar e precisar tomar providências que devem sempre estar em consonância com os parâmetros legais.
Imprescindível, portanto, que se veja no oficial de nível superior da Brigada Militar a figura de um intérprete do Direito e não uma figura meramente simbólica e decorativa que é incapaz de pensar porque os outros fazem isto por ele.
2. AUTORIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR
A autoridade policial militar vista pela esfera militar propriamente dita conflita com a autoridade policial que está em atuação na função de polícia conforme as atribuições constitucionais das polícias militares. Este conflito precisa ser desfeito pela absoluta incompatibilidade que existe entre o exercício de comando de uma tropa militar e o de comando de policiais que estão nas ruas convivendo com uma função civil.
Não estou querendo propor a desmilitarização das polícias militares, mas apenas demonstrar que a atividade policial das polícias militares precisa ser adaptada aos novos tempos, ainda que mantida a condição de militares quanto à designação, a hierarquia e os atos que caracterizam uma organização militar.
O Código de Processo Penal Militar diz quem exerce a autoridade de polícia judiciária militar:
Art. 7º. A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
………………….
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios.
………………….
Delegação do exercício
§ 1º. Obedecidas as normas regulamentares de jurisdição, hierarquia e comando, as atribuições enumeradas neste artigo poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado.
Como se vê, no caso das polícias militares unicamente os comandantes de unidades, aqui compreendidos também os respectivos comandantes-gerais, exercem a autoridade de polícia judiciária militar. Somente em casos que assim entendam convenientes, os comandantes podem delegar estas atribuições a oficiais subordinados, desde que para fins especificados e por tempo limitado. Ou seja, findo o tempo e concluído o feito, o oficial a quem foram delegadas as atribuições deixa de ser autoridade de polícia judiciária.
Esta prática aos oficiais das forças armadas compreende-se, dadas as suas atribuições restritas ao âmbito puramente militar. Já às polícias militares, esta prática é conflitante, pois o comandante da unidade dificilmente está nas ruas e praticamente nunca se depara com as ocorrências do dia-a-dia que precisam ser solucionadas. A situação fica mais conflitante ainda, quando nestas ocorrências há a prática de delitos de autoria de policial militar, quer em serviço, quer com o uso de armamento de propriedade da corporação, quer nas demais situações previstas no artigo 9º do Código Penal Militar, decreto-lei 1001, de 21 de outubro de 1969. O oficial se depara com o fato, precisa tomar providências imediatas, mas não é a autoridade de polícia judiciária competente e depende da presença desta, que, na prática, não comparece, deixando que o oficial faça tudo e depois lhe comunique para, só então, delegar sua autoridade a outro conforme uma escala, que, normalmente, não recai naquele que esteve no local do crime e adotou as providências iniciais.
Na prática, sabe-se que o inquérito policial militar é instaurado vários dias depois e quem vai executá-lo não conhece os pormenores e precisa tomar ciência através de uma parte que leva vários dias tramitando até que, depois de inúmeros carimbos, assinaturas e encaminhamentos por um canal hierárquico formal que precisa ser seguido porque o militarismo, a prática e algumas vaidades isto exigem, caindo por terra a oportunidade e a celeridade requeridas para as primeiras providências. Com isto, o fato é registrado no mesmo momento numa delegacia de polícia e o delegado agiliza o procedimento adotando todas as providências, que, somente depois, o encarregado, muitas vezes descompromissado com o fato porque pertence a um setor que nada tem a ver diretamente com a atividade policial, vai solicitar para orientar o inquérito que preside. Enquanto isto, o delegado já concluiu o seu inquérito e já o encaminhou à justiça, fazendo o trabalho que deveria ter sido feito com a mesma agilidade pela autoridade de polícia judiciária militar. Claro que esta prática é cômoda para comandantes e suas vaidades, só que não atende o que se requer para a atividade policial, assim como não contribui para com os anseios da classe de oficiais de nível superior, que precisa demonstrar que o exercício desta autoridade é intransferível, mas, contraditoriamente, está sendo transferido ao delegado de polícia.
Com esta transferência de competência, a comunicação chega diretamente ao delegado sem percorrer canais hierárquicos e sem a aposição de assinaturas e carimbos diversos e ele simplesmente instaura o inquérito e despacha para seus auxiliares tomarem as providências requeridas.
O exercício da autoridade de polícia judiciária militar, portanto, no que concerne às polícias militares, não pode seguir o rito previsto para as forças armadas, pois são atividades completamente diferentes que precisam, da mesma forma, ter tratamentos diferenciados conforme as exigências de tais funções.
Todos os delegados, uma vez formados, já são titulados como autoridades de polícia judiciária. A diferença está unicamente no seu exercício ou não. Um titular de delegacia é autoridade de polícia judiciária no exercício dela. O delegado que chefia o setor de informática da polícia civil, embora não esteja no exercício da autoridade de polícia judiciária, continua sendo tão autoridade quanto qualquer outro delegado. Isto já não ocorre com os oficiais de nível superior, cuja autoridade de polícia judiciária só pode ser exercida por tempo limitado e restrita a fins específicos.
É necessário, portanto, que todos os oficiais de nível superior exerçam a autoridade de polícia judiciária militar, tal como os delegados exercem a autoridade de polícia judiciária. Esta diferença precisa ser solucionada porque a atividade constitucional das polícias militares isto requer pela abrangência e necessidade de respostas rápidas para todos os atos em que se envolve.
No que respeita ao conceito de autoridade policial segundo a lei 9.099/95, parece que isto já está pacificado e praticamente não são vistas mais discussões sobre a matéria. As polícias militares precisam estar atentas, porém, no acompanhamento legislativo que tramita na câmara federal para não serem pegas de surpresa com algum dispositivo inserido em algum projeto qualquer que venha a modificar a condição da questão em desacordo com os interesses da sociedade e das referidas corporações.
3. AUTORIDADE POLICIAL MILITAR
Esta questão, como já dissemos, no que respeita à lei 9.099/95, está pacificada e os policiais militares são considerados autoridades policiais para os seus efeitos. Neste aspecto, como já antes foi dito, entra a importante e fundamental participação do oficial de nível superior pela sua formação jurídica, que o habilita a dar os encaminhamentos conforme a lei, sem incorrer em falhas que possam futuramente propiciar questionamentos quanto à licitude do que decidiu. Ainda que posteriormente seja decidido de forma diferente pelo poder judiciário, há que se compreender que o oficial de nível superior interpretou o fato pelo seu poder discricionário e em atendimento às incursões de natureza jurídico-policiais que não se podem confundir com as forenses-processuais, eis que aquelas, sem sombra de dúvidas, dizem respeito às garantias fundamentais do cidadão, à sua liberdade e propriedade, dentre outras, que acabam sendo conduzidas futuramente pelo juiz por ocasião do processo.
Apenas para melhor compreensão do que se conceitua como autoridade policial segundo a lei 9.099/95, veja-se o que diz Damásio E. de Jesus, citando Godofredo da Silva Telles Júnior:
“…analisando o tema sob o aspecto impessoal, observa que ‘autoridade, para o direito, é o poder pelo qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu estado ou situação’ (Encicloopédia Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, v. 9, p.330). Assim, sob o aspecto funcional, pode ser considerado autoridade qualquer agente público dotado de poder legal para submeter outrem a uma determinada situação, ainda que contra a sua vontade.”
Ainda sobre o assunto, assim manifestou-se a Comissão Nacional de Interpretação da lei 9.099/95:
“A expressão ‘autoridade policial’ compreende todas as autoridades reconhecidas por lei.”
Como já dissemos, pacificada está a questão.
4. COMO CONCILIAR A PROBLEMÁTICA DA AUTORIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR ÀS ATIVIDADES POLICIAIS DAS POLÍCIAS MILITARES
Na conciliação do exercício da autoridade de polícia judiciária militar por todos os oficiais de nível superior da Brigada Militar é onde reside o grande problema.
É impossível fugir do dispositivo legal do Código de Processo Penal Militar que atribui esta autoridade aos cargos elencados no artigo 7º, que, no caso das polícias militares, abrange unicamente os comandantes de unidades assim considerados e, também, o comandante-geral para efeitos do seu exercício. Por esta razão, aos oficiais de nível superior que convivem diariamente com as ruas não restaria outra alternativa a não ser limitar-se ao isolamento de locais e encaminhamento de partes para que, após uma tramitação burocrática e demorada dependente de tramitações, assinaturas e carimbos diversos, finalmente haver a nomeação de alguém delegado pelo comandante para fazer o inquérito policial militar. Qualquer um sabe que isto acontece porque comandantes de unidade não costumam adotar, no local do crime, as providências que lhe cabem como autoridade policial militar.
Desta forma, a solução da problemática depende de legislação federal que modifique o atual Código de Processo Penal Militar. Medida de grande dificuldade, pois esbarraria nos interesses das forças armadas que, com certeza, seus comandantes não têm interesse, pelas características especiais de que dispõem.
O Estado de Santa Catarina legislou neste sentido e deu atribuições de autoridade aos oficiais da corporação. A lei, no entanto, não faz referência à autoridade de polícia judiciária militar, até porque isto não seria possível dada a supremacia da lei federal sobre a estadual.
Esta medida, portanto, de tentar modificar a legislação federal, dificilmente seguiria adiante, dados os interesses das forças armadas.
A solução, assim, precisa ser encontrada mantendo-se dentro dos limites da legislação em vigor. Não poderia ser diferente, embora esta questão da autoridade possa ser melhor estudada com vistas a atender as exigências da atividade das polícias militares.
Veja-se o que dispõe a legislação no que pertence à instauração de inquérito policial militar:
“Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;
c) em virtude de requisição do Ministério Público;
d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do art. 25;
e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar;
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.”
O destaque que damos está na letra “b” do supracitado dispositivo, que abre a possibilidade para que a nomeação de oficial possa ocorrer por via denominada radiotelefônica, evidente que este termo adaptado às modernidades da comunicação.
A seguir, destaca-se outro dispositivo do decreto-lei que se entende de grande importância a justificar a tese que posteriormente será desenvolvida e que permitirá fundamentar procedimentos que agilisem, em todas as circunstâncias, a participação dos oficiais de nível superior que exercem comandos de frações enquadradas a unidades:
“Art. 10. …………..
§ 1º. ………………..
§ 2º. O aguardamento da delegação não obsta que o oficial responsável por comando, direção ou chefia, ou aquele que o substitua ou esteja de dia, de serviço ou de quarto, tome ou determine que sejam tomadas imediatamente as providências cabíveis, previstas no art. 12, uma vez que tenha conhecimento de infração penal que lhe incumba reprimir ou evitar.”
O parágrafo 2º, do artigo 10, indica com clareza que o oficial que se depara com infração penal militar não precisa aguardar a oficialização da delegação para presidir o inquérito, bastando que a urgência determine as providências necessárias previstas no artigo 12 do mesmo decreto-lei e, dentre outras condições possíveis, esteja de serviço. Nestas condições, o oficial de nível superior que comande fração enquadrada ou não a uma unidade, estando na rua ou sendo chamado em razão de delito militar praticado em sua área de responsabilidade, deve dar início a todas as providências necessárias previstas no artigo 12 do supracitado decreto-lei, ainda que oficialmente não esteja nomeado para fazer o IPM, bastando que o comandante da unidade o nomeie e a portaria recaia sobre ele, que já terá providenciado em tudo, inclusive dando início a oitivas se for o caso e a urgência requerer. Afinal, qual a ocorrência em que se envolve policial militar no cometimento de delito de mesma natureza não é urgente? Por outro lado, o comandante de fração enquadrada à unidade sempre estará de serviço, devendo comparecer no local e em tudo providenciando para que, quando instaurado o IPM, a nomeação recaia sobre ele.
Com isto haverá a garantia do exercício da autoridade de polícia judiciária militar a todos os oficiais de nível superior, que poderão agir como tal em todas as circunstâncias necessárias e imperativas. E não há a necessidade de norma determinando isto, pois este comportamento está previsto na lei, bastando que seja cumprido, não precisando o oficial de nível superior sequer esperar ordens superiores para assim agir, fazendo isto por iniciativa.
Criando-se este comprometimento por parte dos oficiais de nível superior, em breve isto se tornará rotina a ponto de não necessitar qualquer pressão ou ordem para que ele execute as tarefas que compreendem a atividade da autoridade de polícia militar, ainda que, por enquanto e sem a ocorrência de mudanças na legislação, esta autoridade imprescinda de confirmação posterior por parte do comandante da unidade. E enquanto a parte tramitar com a quantidade de carimbos e assinaturas corriqueiros, o inquérito já estará em andamento, eis que isto não obsta que sejam tomadas todas as providências previstas no artigo 12 do citado decreto-lei.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da autoridade policial, segundo a Lei 9.099/95, no que diz respeito à atividade do oficial de nível superior da Brigada Militar está pacificada e é incontestável a sua competência para o exercício desta tarefa. Portanto, estender-se neste assunto mesmo que a título de mera conclusão é repetir o que vem sendo dito há muitos anos.
Prendemo-nos, desta forma, na questão controvertida da autoridade de polícia judiciária militar, cujos dispositivos legais, embora atendam os interesses das forças armadas, com certeza não atendem os interesses das polícias militares e principalmente os das comunidades que querem e exigem respostas prontas e rápidas às suas necessidades de segurança pública.
Os comandantes de unidades, autoridades previstas como tais pelo Código de Processo Penal Militar, não se estão dispondo a presidir inquéritos iniciados de ofício, não estando presentes a todas as ocorrências que envolvam policiais militares na prática de delitos militares. Já se convencionou há muito tempo que a autoridade de polícia militar não preside inquéritos, apenas os repassa nomeando alguém para fazê-los. Quem acaba se envolvendo nestas questões são os oficiais de nível superior sob seu comando, que, embora diretamente ligados aos eventos criminalizados, não têm a autoridade que deveriam ter para que tudo ande com mais presteza e eficiência. Ademais, há outras convenções nos quartéis que entravam o procedimento e não ajudam na agilidade necessária e imperativa com que devem ser conduzidas as providências. Salvo algumas exceções de repercussão pública maior, as comunicações de delitos praticados por policiais militares feitas através das denominadas partes, acabam ficando vários dias em tramitação a espera de encaminhamentos por um canal hierárquico que não condiz com a atividade policial.
As funções militares da prática de dentro dos quartéis precisam ser separadas das funções policiais. Autoridade militar não pode ser confundida com autoridade policial, aquela absolutamente incompatível para com a atividade que as polícias militares têm como principio e fundamento da sua existência. Estas contradições precisam, pois, ser desfeitas para que a atividade policial seja a prática efetiva desta atividade, eis que a própria sobrevivência das polícias militares depende disto.
As dificuldades para conciliar a legislação penal militar são imensas porque esbarram nos interesses das forças armadas, cujas peculiaridades não podem ser confundidas com as das polícias militares. Isto dependeria de debates intermináveis. Apesar disto, não é impossível que ocorram modificações, afinal, existindo desde 1969 e com quase cinquenta anos, impõe-se a modernização da legislação penal militar.
A proposição de um capítulo que desse um tratamento diferenciado das forças armadas às polícias militares poderia ser encaminhada, afinal, não há que se comparar o que fazem tais organizações, dadas suas destinações diversas e até incompatíveis quem sabe na maioria dos casos. Outra possibilidade seria separar a prática de autoridades de polícia judiciária quanto aos delitos propriamente militares daqueles denominados impropriamente militares, que são os que mais se acumulam entre os componentes das polícias militares. Isto, no entanto, depende de tempo, de discussões que não serão pacíficas e dos interesses dos dirigentes das forças armadas que certamente veriam isto como uma ameaça ao meio fechado e intocável em que vivem e trabalham.
A solução, pelo menos para o momento e até que se encontre uma alternativa que não fira os interesses e os brios das forças armadas, está dentro da própria lei atual. Basta que seja utilizada a alternativa prevista no art. 10, § 2º, do Código de Processo Penal Militar, permitindo e determinando que os oficiais de nível superior se envolvam em todas as ocorrências que tenham policiais militares sob seu comando como praticantes de delitos militares. E para isto não precisa que haja determinação superior, pois a lei é suficientemente esclarecedora e não permite outras interpretações que não a de que, em face da urgência, qualquer oficial pode dar início a todos os procedimentos previstos no artigo 12 do decreto-lei 1002/69. Portanto, por própria iniciativa pode o comandante da unidade adotar este procedimento, permitindo o que já ocorre na prática com a diferença de que não haverá mais escala de oficiais para fazerem inquéritos, encarregando sempre aqueles que têm a responsabilidade pelo local onde ocorreu o delito.
Com isto estaria equacionado o problema até que alguém resolva entender que as polícias militares precisam ser tratadas de forma diferente do que são tratadas as forças armadas, separando-se os níveis de autoridades conforme a necessidade de atuação seja quanto a delitos propriamente militares ou impropriamente militares.
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*Alberto Afonso Landa Camargo é Coronel RR da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, professor licenciado em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Literaturas da Língua Portuguesa, Inglesa e Norte-americana, licenciado em Filosofia e bacharel em Direito.