por Alberto Afonso Landa Camargo*

1. CITAÇÕES DE FILÓSOFOS, ORIGEM E TRANSIÇÃO HISTÓRICA

Para que se compreenda o tratamento ético no processo decisório é imperativo que sejam abordados conceitos e entendimentos sobre ética e moral.
Ética vem do grego ethos, que significa modo de ser, enquanto moral vem do latim mores, que significa costumes. Moral, assim, é um conjunto de normas e costumes que regulam o comportamento e o proceder das pessoas em sociedade e têm caráter obrigatório. Toda lei é uma regra moral, assim como os costumes que, embora não ditados por lei, assumem-se como regras a serem seguidas voluntariamente. Ética, por sua vez, é o conjunto de valores que orientam o comportamento humano. A lei é sempre moral, embora não seja necessariamente ética. A pena de morte uma vez instituída por lei passa a ser uma regra moral, que, no entanto, ofende a ética, dado que a vida é o bem maior a ser protegido.

A ética teria surgido com Sócrates, no entanto, há citações de filósofos que o antecederam. Pode-se dizer que estas manifestações na realidade são muito mais preceitos de moralidade do que reflexões éticas.

Dentre os pré-socráticos, Homero (séc. VII ou VI a. C.) tinha um modelo de ideal heróico e Aquiles, ao ouvi-lo, recebeu a recomendação de “ser sempre o primeiro, o melhor e superior aos outros”. Já para Heráclito (aproximadamente 535 a. C. – 475 a. C.), a justiça deve trabalhar com noções de erro e reparação, designando punição ou correção infligida a quem ultrapassa limites e perturba a ordem do mundo, pois “a ordem do kosmos ou da physis tem um caráter ético, político e estético.”
Xenófanes (570 a. C. – 475 a. C.) foi o primeiro a fazer uma dissociação das exigências divinas, que acometiam as regras dos outros pensadores, para dar um conceito humano e terreno às regras. Para ele, as condutas devem “ser diferentes dos princípios aplicados para compreender o cosmos”.

Dentre os contemporâneos de Sócrates, destaca-se Demócrito (460 a. C. – 370 a. C.), que elaborou a primeira formulação de uma teoria convencionalista da legalidade, concebida ao convício humano e como exigências éticas e morais de proteção mútua aos interesses em geral. A qualidade da vida, para ele, está associada ao bem-estar e à capacidade de não ser perturbado por nada.

É com os sofistas, em especial quanto a Protágoras (490 a. C. – 415 a. C.), Pródico (465 ou 450 a. C. – …) e Hípias (460 a. C. – 400 a. C.), que se inicia o ensino em troca de salários e ele deixa de ser visto com o cunho heróico que caracterizava outros filósofos. Com eles se inicia o ensino remunerado da virtude, vista sob o ângulo da ética e da política. Protágoras ensinava a prudência e bom conselho para que todos fossem capazes de bem administrar as suas coisas e as da cidade. Defendiam uma forma de convencionalismo ético fundado na oposição entre a lei e a natureza, com base em prescrições éticas e legais sob o domínio das instituições humanas.

No que se relaciona a Sócrates (469 a. C. – 399 a. C.), como é sabido, ele não deixou nada escrito. O que se conhece dele está nos textos de Xenofonte (430 a. C. – 355 a. C.) em “Memoráveis”, “Banquete” e “Apologia de Sócrates” e nos primeiros diálogos de Platão (428 ou 427 a. C. – 348 ou 347 a. C.). Sócrates inova os conceitos quanto à pesquisa ética e a busca da virtude e, segundo estes autores, a racionalidade, ou o saber, é meio para chegar à virtude. Trata-se de pesquisa racional que leva ao conjunto de certezas que é capaz de definir o conteúdo de toda a ética. A ação justa resulta do saber e é impossível chegar a ele sem o conhecimento, sendo o saber a origem de toda ética.

Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), por sua vez, trata de forma imprecisa a ética no seu livro A Ética a Nicômaco”. Esta imprecisão não permite definir mesmo o que o autor pretendia discutir sobre o tema. Leva, no entanto, à conclusão de que ele se direcionava à análise do que os indivíduos procuram e pretendem ao longo das suas vidas. Trata do que hoje se compreende por moral, entendido, claro, que na época havia esta confusão entre ética e moral, e subordina tudo à felicidade como fim último em busca do sumo bem.

Como para Aristóteles o homem é um ser social, pode-se dizer que a causa final de tudo são as associações humanas, visto que o indivíduo, a família como associação primária e toda e qualquer aglomeração urbana, desde que não a cidade, concorrem para a realização dos fins objetivados. A cidade não teria esta finalidade, mas a de compartilhar todo o justo.

Não muito, portanto, se pode tirar de Aristóteles sobre a ética a não ser as relações com as comunidades para a realização dos seus fins.

Outros pensadores transitaram posteriormente sobre o tema na idade clássica onde predominava a cultura grega e romana. Com a queda do Império Romano, o mundo dominado pela Europa passa a ser regido pela religião católica, sem dúvidas a grande responsável pelo ocaso da dominação romana.

Historiadores se dividem em afirmar que o mundo ingressou na denominada idade das trevas, quando houve retrocessos científicos em virtude da dominação religiosa, e, outros, entendem que não ocorreram estes entraves e a igreja permitiu o desenvolvimento do conhecimento em todos os sentidos. Divergências à parte, o fato é que o mundo ingressou num período onde tudo era dependente da religião e o que não seguia seus dogmas se constituía em heresias, cujos autores eram punidos com a morte ou precisavam retratar-se para não serem condenados. O exemplo histórico de Galileu Galilei (1564 – 1642), condenado pelo tribunal do Santo Ofício, confirma que a liberdade de pensamento não era o forte na época.

Apesar disto, vários filósofos se sobressaíram na luta contra os ensinamentos tradicionais da igreja. Dentre estes, cita-se Abelardo (1079 – 1142), que no campo ético elaborou a sua doutrina da intenção. Colocava na intenção toda a moralidade da ação e não hesitava em afirmar que a própria crucificação de Cristo e as perseguições de mártires seriam boas se praticadas com boas intenções. Inovou nestes tempos em que o erro, ainda que visto sob a ótica da verdade, não era aceito e era punido inclusive com a morte em alguns casos.

Thomaz de Aquino (1225 – 1274), apesar de também atribuir grande importância à intenção, procura eliminar os exageros de Abelardo e defende que a “moralidade de uma ação depende não só da intenção, mas também do objeto, dado que este fornece a matéria, enquanto a intenção fornece a forma”.
Se o período da Idade Média embotava o pensamento científico ou não, o importante é que chegamos à Renascença, movimento iniciado na Itália, que volta a inspirar-se na cultura greco-romana para ressuscitar a ciência desde os tempos de Parmênides (530 a. C. – 460 a. C.) e Heráclito (535 a. C. – 475 a. C.).

O Renascimento marca o período de transição fundado nos valores greco-romanos, trazendo profundas transformações e rompendo com as sombras do fanatismo religioso para então despertar para uma visão materialista e antropocêntrica, migrando do divino para o humano. Daí a vertente renascentista conhecida como humanismo. Por esta visão humanista, o homem passa a ser o centro de todas as atenções, não necessariamente ocupando o papel de Deus, mas assumindo o papel que sempre lhe deveria caber como senhor de si, capaz de tomar as decisões necessárias sem esperar por avisos e orientações divinas. O homem, assim, assume-se como indivíduo capaz de decidir conforme a sua liberdade no meio social. É a partir disto que o estudo da ética evolui para a compreensão do que temos de mais contemporâneo. Não que a Idade Média não tenha importância para o estudo, mas porque a sua importância está justamente nas fontes que acabaram fazendo com que a evolução ocorresse para compreendermos que a pessoa é o ente fundamental em todo o procedimento e em todas as transformações do mundo, do qual é parte indissociável.

E assim, seguimos os estudos dos filósofos subsequentes, agora sob o aspecto do racionalismo.

Thomas Hobbes (1588 – 1679) tem a sua ética fundamentada na ciência do que é bom e mau na condução da vida em sociedade e da humanidade. Embora se baseie na natureza, trata-se de uma natureza socializada. A sua afirmação é esclarecedora quanto a isto:

“La justicia y la injusticia no son facultad alguna del cuerpo ni de la mente. Si lo fueran, podrían darse en un hombre que estuviese solo en el mundo, al igual que se dan en él sus sentidos y pasiones. Son cualidades que se relacionan con los hombres en sociedad, no en solitário.”


A decisão, portanto, não estando sob a faculdade do corpo e da mente individual, estaria sempre ao arbítrio do grupo ao qual pertence quem decide.

Tal como Aristóteles, Renè Descartes (1596 – 1650), considerado o Pai da Filosofia Moderna, também não é visto como profundo conhecedor da ética. Para ele, a ética é considerada sob dois aspectos: a noção de virtude, ou uma disposição de vontade para escolher conforme o juízo da razão sobre o bem, e a noção de felicidade, ou estado de bem estar mental conseguido pela prática da virtude. Neste ponto, Descartes analisa diversamente da moral, dado que não se fundamenta em cumprimento de normas e costumes, mas busca fundamentos que levem ao bem viver em comum, subordinando o corpo à mente, que tem o poder da vontade e que se aperfeiçoa à medida que o homem adquire a sabedoria.

Baruch de Espinosa (1632 – 1677), duas vezes excomungado pelos judeus e reabilitado na esperança de que mudasse sua forma de pensar e definitivamente excomungado em 1652, é um pensador que, da mesma forma que os posteriores à idade das trevas, defende o livre arbítrio e a separação da divindade, qualquer que seja, para explicar e transformar o mundo. O homem possui dois atributos: extensão e pensamento, sendo o primeiro o corpo e o segundo o pensamento, este, o não-material, o conhecimento, a ideia. Enfim, assim como o homem é livre, todas as coisas o são, dado que cada uma tem a sua própria causa. Desta forma, ele não tem poder sobre as suas escolhas e não é autor dos seus desejos, mas apenas segue uma determinação causal sem conhecê-las totalmente.

A leitura sobre Espinosa pode até ser vista como algo destoante do tema que tratamos, mas pensada sob o aspecto de tantas pessoas que precisam decidir sobre algumas coisas e não se animam a fazê-lo, ela assume especial importância para estudos acerca daqueles que sofrem incertezas no ato de tomar algum partido, muitas vezes comprometendo todas as consequências.

Modernamente, Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), embora nunca tenha escrito um tratado especificamente sobre a ética como prometera ao fim do seu livro “O Ser e o Nada”, tem ao longo da sua produção filosófica expressivas significações sobre o assunto, até porque quem como ele tanto perseguiu e tentou elucidar os problemas da conduta humana não poderia deixar de abordar estas questões.

O niilismo, o ateísmo, a amoralidade, o desespero estão presentes na obra de Sartre, que desconsidera a transcendência, característica do pensamento moderno. Mas é exatamente nos seus avanços contra os críticos da sua obra, que ele acentua a liberdade como o aspecto mais importante a conduzir o ser humano à escolha de ser livre, o que, no entanto, na solidão em que ocorre, não o isenta da responsabilidade e do compromisso com o outro. O valor imanente da escolha, exatamente por inexistirem atos prévios determinantes da sua conduta, não se dissocia da afirmação de valores e de critérios que compõem cada ato livre praticado. É por isto que o homem é um ser de possibilidades, cuja liberdade não lhe dá a escolha de não ser livre.

Se colocada a obra de Sartre para o estudo do ato de decidir, já seria ela, por si só, um tratado sobre o assunto.

Como se vê, encontrar no pensamento dos mais renomados e estudados filósofos as necessárias orientações para o trabalho decisório pode ser um excelente caminho para a condução do processo, porque é indiscutível que, apesar dos aspectos técnicos a serem considerados, ainda será o ser humano, na sua solidão ou em conjunto avaliando o meio social, o encarregado de adotar as medidas que julgar necessárias.

Todo processo decisório, independente do seu vulto, de referir-se a questões simples da vida ou às mais complexas que envolvem trabalho, família, assim como as relações sociais, passam por avaliações que precisam ser consideradas para que as soluções recorridas não acabem se transformando em problemas maiores e mais graves que os próprios cenários que se tenta solucionar. A ação, portanto, está na dependência de quem precisa decidir, ou como disse Aristóteles, “o princípio da ação está sempre em nós”. O grande sábio coloca, desta forma, a vontade no agente da decisão para obter o fim pretendido, embora, produto da época, trate de outros pontos sujeitos ao espírito em razão da contingência e da sua faculdade de pensar e raciocinar. Sobre estes pontos, no entanto, não há razões para aprofundamento, precisando que a análise seja centrada na vontade e nos valores a serem analisados, quer quanto aos precedentes, quer quanto ao momento da decisão.

Considere-se, também, que sempre haverá um conflito entra a ética e a racionalidade, coisas de que nos ocuparemos mais tarde e em outro capítulo, embora por alto faça-se agora algumas considerações importantes para situar nossa abordagem. Este dilema se dá em virtude das perspectivas existentes no cenário analisado, podendo o analista agir conforme o interesse coletivo ou conforme o interesse individual. No primeiro caso temos a opção ética e, no segundo, temos a opção prudencial, conforme define Juan Antonio Fernández Manzano em “El Desafio de Giges: Tensiones entre Ética y Racionalidad”, do que também nos ocuparemos mais tarde.

O processo decisório, como qualquer outro, passa pelo conhecimento, sem o que é impossível adotar alguma medida. A filosofia sempre se ocupou deste tema e, embora a clareza com que ele apareça na nossa mente, nunca foi uma tarefa fácil defini-lo. A epistemologia é o ramo da filosofia que trata dos problemas que se relacionam a ele, porém, não nos interessa senão alguns aspectos tratados em especial por Emmanuel Kant (1724 – 1804), mormente ao que ele denomina de conhecimento a priori e a posteriori.

2. ASPECTOS ATUAIS

A atividade policial é diferenciada porque pressupõe a tomada da decisão às vezes em circunstâncias de extremo risco. Por isto é preciso que sejam tratadas as duas questões que envolvem o tema: decisão em circunstâncias administrativas que permitem estudos e auscultações com a devida calma que o momento requer; decisão em circunstâncias que não permitem estudos que demandem tempo porque dela depende, muitas vezes, a vida das pessoas, mormente a do próprio policial, cujo valor, apesar da sua obrigação de pô-la em risco em caso necessário, não é diferente da de qualquer outra pessoa.

Tratando-se este tema das questões éticas que envolvem a tomada da decisão e sendo vistos anteriormente a atuação de alguns importantes filósofos quanto a elas, importante referenciar Nicolò di Bernardo dei Machiavelli (1469 – 1527) quando trata do bem e do mal.

O ser humano está sempre e permanentemente envolvido em situações que precisam de uma solução, ou decisão, para que possa obter, se não o resultado esperado, pelo menos o melhor dentre os cenários apresentados. Presente o maniqueísmo na Idade Média, Machiavelli recomendava aos príncipes, que, diante de uma situação que envolvesse a escolha entre uma decisão que representasse o bem e outra que representasse o mal, deveria sempre inclinar-se à primeira. Nestas condições, portanto, a decisão acaba facilitada, dado que entre o bem e o mal, deve-se sempre optar pelo bem. O problema, no entanto, reside quando é necessária a decisão entre linhas que representem dois bens, ou linhas decisórias que representem dois males. No primeiro caso, o recomendável é que a decisão recaia no bem maior, enquanto que no segundo é imperativo que a escolha recaia no mal menor. Em ambos os casos é preciso considerar que a avaliação de bem e mal pertence a quem vai decidir, e as representações de todas as circunstâncias que envolvem a tomada da decisão são pessoais e pertencem à forma como o responsável os conceitua e interpreta, podendo variar em razão de todos os fatores em que o indivíduo se concentra. Por tudo isto passa a sua criação, educação, formação, treinamento, experiência e valores, dentre outros.

Ainda sobre Machiavelli, é preciso considerar que ele também se refere aos meios usados para a obtenção de determinados fins e isto precisa também ser considerado no ato de decidir. Erroneamente o vulgo tem afirmado que ele usou no “O Príncipe”, sua obra mais famosa, a expressão “os fins justificam os meios”. Ele nunca disse isto, mas que apenas para a obtenção de alguns fins é necessário o uso de alguns meios não convencionais que nem sempre estão de acordo com a ética ou com a moral. E isto é uma realidade nos problemas mais simples da vida das pessoas. Nestas condições e ainda seguindo os ensinamentos do grande mestre, pode-se afirmar que nem sempre uma decisão pode ser tomada tendo em vista a precisão legal ou os mandamentos éticos, dado que, segui-los, nem sempre levará aos melhores resultados.
Exemplificando em uma situação que envolva dois bens, como o caso de um policial que tem o seu companheiro ferido durante uma perseguição a criminoso e precisa decidir entre continuar a perseguição ou socorrer o colega: o bem representado pela prisão do bandido para tirá-lo de circulação representa o bem menor diante do socorro a ser prestado ao companheiro, que é o bem maior. Como a avaliação varia nos indivíduos, não se pode descartar a possibilidade de que alguém entenda que o bandido, estando em liberdade, poderá cometer outros crimes mais graves atentando contra a vida de muito mais pessoas, representado o socorro a uma única, no caso ao policial ferido, o bem menor; representado por dois males, pode-se exemplificar com o médico que diante de um parto de risco precisa decidir entre salvar a criança ou salvar a mãe, considerando-se que um único poderá sobreviver à cirurgia. Diante de dois males definidos pela imposição de matar um deles, precisa decidir qual o mal menor, estando, portanto, diante de uma situação conflitante, que, da mesma forma que no exemplo anterior, dependerá das suas convicções pessoais envolvendo todas as circunstâncias, desde a sua educação, formação, meio social, vontade, dentre outras.

Immanuel Kant por sua vez, afirma que todos trazem consigo formas e conceitos a priori, ou seja, aqueles que não vêm da experiência e, por isto, são impossíveis de determinar. Seria, grosso modo, aquela explosão decisória em momento que impossibilita o sujeito de estudar a questão para obter o melhor resultado. Já os conceitos a posteriori são aqueles que dependem de uma evidência empírica. Nestas condições, o sujeito da decisão pode se encontrar em momentos distintos, ora diante de situações em que precisa definir de imediato o que fazer, ora diante de outra em que possui tempo para estudar o problema, buscar experiências anteriores, ou ele próprio determinar-se a fazê-las para que os resultados sejam os previstos.

Kant define o que ele chama de menoridade como a impossibilidade de o homem ter ou obter o conhecimento, estando a responsabilidade de sair desta condição na sua vontade de evoluir para um grau que não o mantenha na incapacidade de fazer uso do seu entendimento. Alguns, no entanto, resistem à evolução, sendo causas disto a covardia, a preguiça e o comodismo, mantendo-se numa área de conforto que faz com que ele não assuma responsabilidades e, na maioria dos casos, jogue estas responsabilidades sobre os ombros de outras pessoas.

O homem, assim, é dono de si e pode escolher entre evoluir para o conhecimento ou manter-se na mediocridade, sendo que isto depende da sua vontade. Optando por manter-se na menoridade, age como um parasita que espera sempre que os outros tomem as decisões por si, enquanto que optando pelo conhecimento torna-se capaz de tomar as próprias decisões, fazendo as suas escolhas. Mesmo naquelas decisões mais difíceis e que precisam de uma solução imediata, o conhecimento que permitiu a evolução do sujeito da decisão é determinante do seu procedimento na busca do melhor resultado.

Citamos no início deste capítulo a necessidade de abordagem sobre os valores como importante para o estudo.

A indiferença é a negação de qualquer valor e ela faz parte daquelas pessoas que não evoluem para o conhecimento, mantendo-se, como definiu Kant, na menoridade. O valor, por sua vez, é a não-indiferença e se alicerça tanto no sujeito como no objeto. No momento da decisão deve haver esta consciência por parte do sujeito, valorando o que está em jogo e adotando medidas conforme seja maior ou menor a importância do objeto. Isto se confunde com as noções de bem e mal, maior ou menor, conforme exposto quando tratado em Machiavelli.

Por fim, a decisão nunca é um ato isolado que depende unicamente do sujeito, mas deve estar também centrado no objeto da decisão, assim como em todos os valores que o circundam, como aspectos legais, técnicos, sociais e de garantia dos valores éticos a serem considerados.

3. CONCLUSÃO COM TENDÊNCIAS MODERNAS SOBRE O TEMA

Verificamos que as decisões sempre colocam o encarregado em conflito com alguns aspectos a serem observados. Mais comumente, estes aspectos relacionam-se com aquilo que estabelece a ética e os que visam a racionalidade individual, sobre a qual influencia um razoável número de aspectos sociais. Estes conflitos, no entanto, só ocorrem quando as soluções apresentadas são todas insatisfatórias diante da perspectiva em que se encontram as razões para a solução. Não é nosso interesse, porém, a abordagem de situações que envolvam tais conflitos, dadas as suas complexidades, o que não nos permitiria o trato mais profundo da questão em espaço tão exíguo. Assim, até para seguir a proposta do trabalho, é oportuno que nos fixemos em dois pontos: 1 – uma abordagem conforme se apresente a necessidade de atuar moral e eticamente levando em consideração o interesse coletivo; 2 – atuar tendo em conta unicamente o interesse pessoal. No primeiro caso, há o risco de que o encarregado da decisão, apesar da aceitação coletiva, não obtenha a necessária cooperação e os resultados obtidos não sejam os esperados. No segundo, embora a convicção de quem decide seja unicamente dele, o risco é que a linha escolhida pode conduzi-lo a situações indesejadas coletivamente.

O debate é interminável e não se pode dizer que haja supremacia de uma ou de outra linha, nem a da que se pretende sustentar em afirmações éticas, nem da segunda, vista como sustentada na racionalidade. O importante a considerar é que a teoria ética levará em conta a cooperação coletiva, enquanto a teoria da racionalidade se sustentará na utilidade do que for prescrito como solução. De qualquer maneira, como já estudado, neste último caso que envolve a individualidade é preciso saber qual a razão a ser aplicada, considerando-se que os conceitos variam conforme a pessoa, sendo necessárias inúmeras avaliações de cenários, cujo tempo para concluir nem sempre é suficiente para que se tenha uma visão que permita dizer com certa tranquilidade que o resultado será o esperado. Do ponto de vista prático, portanto, pode-se dizer que é racional o que está em oposição ao animal e é capaz de decidir pelo que é bom. Juan Antonio Fernández Manzano nos dá dois exemplos:

“…si lo que se pretende es conocer Londres, será racional usar los medios que lo logren, como comprar un billete con ese destino. Del mismo modo, si lo que se pretende es dañar a una persona, serán racionales todas aquellas acciones que tiendan a ese fin, aunque en este caso bien podría cuestionarse la racionalidad del fin mismo.”


O mesmo autor, seguindo os melhores ensinamentos de Nicolò Machiavelli agora quanto a meios e fins e em comum acordo com o que vimos em Immanuel Kant, completa:

“En el primer caso hablamos de una racionalidad relativa, llamada racionalidad de los medios con respecto a sus fines, racionalidad funcional o razón instrumental. En el segundo caso hablamos de la racionalidad de los fines mismos, de los valores preferidos, de la escala de valores, o de la axiología personal. Puede entenderse que la racionalidad de los medios está subordinada a la racionalidad de los fines, pero ambas son lógicamente independientes. Pueden emprenderse acciones que sean un medio adecuado (y en ese sentido racionales) para obtener un fin irracional, al igual que pueden emprenderse acciones irracionales para perseguir un fin racional, y por supuesto cabe emprender acciones racionales con fines racionales y acciones irracionales para fines irracionales. Teniendo en cuenta estas matizaciones, definimos la racionalidad práctica como el método usado por un agente para perseguir sus fines, de los que tiene clara conciencia, haciendo uso de los medios apropiados. La racionalidad es entonces una estrategia adecuada para alcanzar sus fines últimos.”


Em alguns casos a participação pública é indispensável, ficando descartada a possibilidade de decisão individual. Como exemplo cita-se os estudos que definiram as normas de procedimento e de segurança após os atos terroristas ocorridos nos EUA em 11 de setembro de 2001, pelos quais as sociedades democráticas decidiram como uma questão de ética a fundamentação de normas legítimas de convivência capazes de estabelecer e regular a participação pública nos processos de identificação, evolução e gestão de riscos, sempre como processos contínuos e não estanques. Importante citar a tese defendida:

“…como el método usado por un agente para perseguir sus fines, de los que tiene clara conciencia, haciendo uso de los medios apropiados. La racionalidad es entonces una estrategia adecuada para alcanzar sus fines últimos.”


Há outros autores que ampliam as formas em que as decisões devem se basear, mas, em regra, não fogem dos aspectos abordados acima: abordagem utilitária: parte do conceito ético de que os comportamentos morais produzem um bem maior para um número maior; abordagem individualista: conceito ético de que as ações morais, quando promovem os melhores interesses no longo prazo, basicamente levam a um bem maior; abordagem da moral e dos direitos: conceito ético de que as decisões morais são aquelas que melhor mantêm os direitos das pessoas afetados por elas; abordagem da justiça: conceito ético de que as decisões morais precisam ser baseadas nos padrões de equidade, justiça e imparcialidade.

Como se vê, não é possível estabelecer quanto à melhor forma de decidir, se seguindo fundamentações éticas que valorizem o empenho e participação coletiva, ou se a participação individual substanciada na razão, aplicando-se cada uma conforme o caso em estudo.

Importa, assim, como preocupação, a ideia de que toda decisão implica em riscos. Nunca se pode precisar se ela dará certa ou não e esta consciência própria do ser humano implica, muitas vezes, em omissões que trazem piores consequências que uma ação por mais incerto que seja o seu resultado. Desta forma, é possível fazer-se observações que indicam que é muito mais racional a adoção de uma linha, ainda que não haja certeza de sucesso – e normalmente não haverá – do que simplesmente omitir-se. O que importa é que a ação deve ser necessária, abandonando-se as futilidades que eventualmente se interponham ou sejam exigidas como base para o ato. Dois níveis, portanto, se colocam frente à tomada da decisão: a) típica e originariamente a decisão é humana, sendo preciso destacar todas as condições que possibilitem que a ação seja inteligível, racional e razoável; b) a ação ou decisão deve definir-se como racional, com especial preocupação de que ela resulte em novas ações posteriores, para que estas também definam horizontes. Por isto, o problema do ato decisório é tal que: 1) se a decisão não é tomada, ou aplicada, nunca se saberá se o propósito será alcançado, se o esforço seria acertado ou se haveria valido a pena o propósito; 2) se a decisão é tomada, ou aplicada, não haverá nenhuma garantia de êxito. Portanto: a decisão tem que ser tomada, ainda que com riscos de não ser acertada.

Conclui-se, assim, que experiência e conhecimento são fundamentais na tomada de decisão, ainda que não sejam garantias de sucesso. Como o agir sempre implica na tomada de decisões, o drama do ser humano se concentra não tanto no que atuamos – ou nos omitimos porque a omissão também é uma ação – mas no que efetivamente precisamos decidir.

Daí que é preciso que entre uma teoria do conhecimento e uma teoria da ação, haja uma teoria da decisão racional, desenhando-se o problema no triângulo: conhecimento, ação e decisão.

“O importante é formarmos o hábito de ponderar as vantagens e os inconvenientes para decidir com lucidez e firmeza. O homem indeciso e perplexo acaba sempre sucumbindo ao desânimo, joguete das vicissitudes, incapaz de construir o próprio destino.”


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*Coronel da Reserva da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Professor graduado em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e respectivas Literaturas, graduado em Filosofia e Bacharel em Direito.